quinta-feira, 2 de setembro de 2010

ICMS - Guerra Fiscal - Decisão liminar do STF favorável ao contribuinte - Íntegra da decisão

Caros,

Ontem divulguei a notícia de que o STF concedeu liminar favorável ao contribuinte na Guerra Fiscal. Segue abora a íntegra da decisão monocrática da Min. Ellen Gracie.

Agradeço à Fernanda Possebon a dica pelo número da Ação Cautelar.

Um abraço,

Adolpho Bergamini

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AC 2611 MC / MG - MINAS GERAIS

MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO CAUTELAR

Relator(a): Min. ELLEN GRACIE

Julgamento: 07/05/2010

Publicação

DJe-085 DIVULG 12/05/2010 PUBLIC 13/05/2010

Partes

ADV.(A/S) : EDUARDO PUGLIESE PINCELLI

ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS

REQDO.(A/S) : ESTADO DE MINAS GERAIS

REQTE.(S) : BRF - BRASIL FOODS S/A

Decisão

1. Trata-se de pedido de liminar em Ação Cautelar ajuizada para agregar efeito suspensivo a Recurso Extraordinário interposto pela ora Requerente nos autos dos Embargos à Execução Fiscal nº 007904143541-7. Tal recurso, interposto contra o acórdão

proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, foi recebido, mas ainda não subiu a esta Corte.

2. A questão de fundo diz respeito a débitos da Requerente junto à Fazenda Estadual em razão da glosa de créditos de ICMS apropriados em operação interestadual correspondentes ao valor de benefício fiscal supostamente inválido concedido pelo Estado de

Goiás aos estabelecimentos lá situados. Dos 12% apropriados, o Estado de Minas Gerais glosou 2%, porquanto o Estado de Goiás concede crédito em tal montante quando da remessa de mercadorias para outro Estado. Os créditos de ICMS glosados implicaram

cobrança do tributo no Estado de destino, o que está em curso na Execução Fiscal embargada.

3. Entende, a ora Requerente, que não podem ser glosados seus créditos de ICMS, porquanto efetivamente incidiu a alíquota de 12%, calculada e destacada na Nota Fiscal.

O benefício fiscal supostamente inválido diz respeito a crédito concedido ao estabelecimento sediado em Goiás.

Destaca que a glosa deu-se mediante invocação dos arts. 62, 68 e 71 do Regulamento do ICMS do Estado de Minas Gerais, bem como no Decreto 38.104/96 e da Resolução 3.166/01, mas que o acórdão que a chancelou viola diversos dispositivos

constitucionais.

Ofenderia o art. 97 da Constituição Federal porque afirma a inconstitucionalidade do benefício fiscal concedido pelo Estado de Goiás sem observância do quórum qualificado exigido. O art. 102, I, a, por sua vez, restaria violado porque caberia ao Supremo

Tribunal Federal tal reconhecimento. Implicaria contrariedade ao art. 150, I, porque, à época dos fatos, não havia qualquer dispositivo legal que respaldasse as previsões do Regulamento do ICMS e da Resolução. Destoaria do art. 155, II, § 2º, I, da

Constituição porque a sistemática da não-cumulatividade assegura o creditamento do tributo destacado na Nota. Por fim, estaria afrontando o inciso IV deste mesmo § 2º porquanto cabe ao Senado a definição da alíquota interestadual, sendo que a orientação

do Estado de Minas Gerais teria o efeito de reduzi-la.

3. Alega, ainda, que há risco de dano, porquanto seus bens estão indo a leilão, e pede, então, a concessão de medida cautelar para atribuir efeito suspensivo ao Recurso Extraordinário interposto.

4. Conforme já afirmado por este Tribunal por ocasião do julgamento da AC 2051 MC-QO, relator o Ministro Joaquim Barbosa, pleitos como o presente não consistem, propriamente, na atribuição de efeito suspensivo ao Recurso Extraordinário. O acórdão

proferido, ao reformar a sentença de primeira instância, a substitui como prestação jurisdicional. Não é possível, mediante a suspensão dos efeitos do acórdão, repristinar a eficácia da sentença concessiva da segurança.

O conteúdo da pretensão, em verdade, tem cunho efetivamente cautelar, envolvendo a suspensão da exigibilidade do crédito, nos termos do art. 151, II, do CTN, com o conseqüente impedimento da cobrança do tributo e, portanto, a paralisação da Execução

Fiscal.

5. Ademais, ressalto que o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo e que só excepcionalmente é que se pode acautelar o direito do recorrente contra a execução provisória da sentença.

Para tanto, teria de estar evidente o caráter constitucional da matéria e presente argumentação de tal modo consistente que permitisse vislumbrar alta probabilidade de acolhimento da pretensão de mérito, além de elevado risco de dano.

5. O pano de fundo da questão é a chamada “guerra fiscal”, sendo certo que, apenas mediante previsão em Convênio, é que os Estados podem conceder isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS, nos termos art. 155, § 2º, XII, g, da CF.

O STF há muito tem assentado que tampouco se admitem incentivos disfarçados, como a concessão de crédito presumido, o que, aliás, já constava expressamente do art. 1º, parágrafo único, III, da LC 24/75. Lembro, por todos, o que restou decidido na ADI

1.587, verbis: “Argüição de inconstitucionalidade de lei do Distrito Federal, que mediante a instituição de crédito presumido de ICMS, redundou em redução da alíquota efetiva do tributo, independentemente da celebração de convênio com afronta ao

disposto no art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição Federal. Ação Direta julgada procedente.”.

6. O que está em discussão, porém, não é propriamente a higidez do benefício concedido pelo Estado de Goiás, mas a possibilidade de o Estado de Minas Gerais, manu propria, anular os seus efeitos mediante glosa à apropriação de créditos relativa a

operações estaduais efetuadas a partir daquele Estado.

Pode, o Estado de Minas Gerais, indiscutivelmente, argüir a inconstitucionalidade do benefício fiscal concedido pelo Estado de Goiás em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, sendo certo que este Supremo Tribunal tem conhecido e julgado

diversas ações envolvendo tais conflitos entre Estados, do que é exemplo a ADI-2548.

Mas a possibilidade de estabelecer a glosa, pura e simples, dos créditos apropriados em operação interestadual em que efetivamente tenha sido calculada e destacada a alíquota interestadual apresenta-se questionável em face da sistemática de

tributação interestadual e da não-cumulatividade constitucionalmente consagradas, atentando-se para a orientação desta Corte, bem lembrada pela Requerente, no sentido de que inconstitucionalidades não se compensação, conforme a ADIMC 2.377, cujo relator

foi o Min. Sepúlveda Pertence: “O propósito de retaliar preceito de outro Estado, inquinado da mesma balda, não valida a retaliação: inconstitucionalidades não se compensam”.

A análise constitucional exigiria que se definisse se o Estado de destino da mercadoria pode restringir ou glosar a apropriação de créditos de ICMS quando, embora destacados os 12% na operação interestadual, o Estado de origem tenha concedido crédito

presumido ao estabelecimento lá situado, reduzindo, assim, na prática, o impacto da tributação.

7. Contudo, a questão constitucional se apresenta de modo indireto, porquanto, conforme se infere da inicial, a glosa foi feita com suporte em atos normativos infralegais, quais sejam, os arts. 62, parágrafo único, 68 e 71, VI, do Decreto nº 38.104/96

e o artigo 1º da Resolução nº 3.166/2001, do Secretário da Fazenda do Estado de Minas Gerais.

Conforme a própria Requerente, as leis que supostamente dariam suporte a tais atos infralegais, em verdade, não tinham tal alcance.

A Requerente entende que a LC 24/75, que “Dispõe sobre os convênios para a concessão de isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, e dá outras providências”, não foi recepcionada no ponto pela Constituição de 1988 e que,

de qualquer modo, seu conteúdo não autorizaria o quanto contigo no Decreto e na Resolução.

Também destaca, em seu Recurso Extraordinário, que “A Lei Estadual nº 6.763, de 26/12/75, com a redação vigente à época dos fatos geradores (13/07/2001 a 31/08/2002), não previa, no tocante ao crédito do impostos (artigos 28, 29, 30, 31 e 32), qualquer

restrição... Tal limitação ao crédito só foi introduzida na Lei nº 6.763/75 pelo artigo 30 da Lei Estadual nº 14.699, de 06/08/2003, a qual introduziu o § 5º ao art. 28 da Lei 6.763/75...” (fl. 170).

E prossegue: “Assim, não é necessário muito esforço para se perceber que as normas do Regulamento do ICMS (artigos 62, parágrafo único; 68 e 71, VI, do Decreto nº 38.104/96), bem como o art. 1º da Resolução nº 3.166, de 11/07/2001, extrapolaram o poder

regulamentar, instituindo uma nova vedação ao crédito não previst Ana Lei Estadual nº 6.763/75, em flagrante ofensa também ao artigo 150, I, da Carta Magna e ao art. 99 do Código Tributário Nacional.”

8. Cuida-se, pois, ao que tudo indica, de matéria a ser resolvida pela ótica infraconstitucional, não sendo o caso de se acautelar o resultado do julgamento de Recurso Extraordinário que provavelmente não venha sequer a ser admitido.

Destaco que a ora Requerente interpôs o pertinente Recurso Especial e que não há óbice a que venha a buscar a tutela cautelar junto ao Superior Tribunal de Justiça, até porque se trata de postulações independentes, conforme, aliás, já destaquei na AC

639 QO: “Interposição simultânea de recursos especial e extraordinário, ambos admitidos. Postulação de medidas liminares perante o STJ e o STF. Garantias independentes, especialmente considerada a urgência ínsita aos pedidos cautelares.”

9. Ante o exposto, nego seguimento à ação cautelar, prejudicada a análise da liminar.

Publique-se.

Intimem-se.

Brasília, 07 de maio de 2010.

Ministra Ellen Gracie

Relatora

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