terça-feira, 21 de julho de 2009

TJSP entende que atividade-meio não é tributada pelo ISS. Reflexos do entendimento no eterno embate "ISS x ICMS e IPI"

Consoante a decisão dada na Apelação n. 7966575700 (divulgada ontem, dia 20/07), o TJSP entendeu que não incide ISS sobre "atividades relacionadas com a silvicultura, mais especificamente, serviços prestados na movimentação da matéria-prima madeira", ao argumento de que não incide ISS "sobre serviços que constituam etapa do ciclo de industrialização ou comercialização do produto".

Segue a íntegra da ementa:

Apelação Com Revisão 7966575700
Relator(a): Wanderley José Federighi
Comarca: Botucatu
Órgão julgador: 14ª Câmara de Direito Público
Data do julgamento: 12/03/2009
Data de registro: 20/07/2009
Ementa: AÇÃO DECLARATORIA DE NULIDADE DE TRIBUTO - ISS - Empresa autora que explora as atividades relacionadas com a silvicultura, mais especificamente, serviços prestados na movimentação da matéria-prima madeira - Inexigibilidade do ISS - Não incidência sobre serviços que constituam etapa do ciclo de industrialização ou comercialização do produto - Bitributação - Recurso provido.

Entenda a questão:

Consta do relatório que o contribuinte alega ser indevida a cobrança do ISS porque sua principal atividade econômica é a exploração de serviços relacionados com a silvicultura, mais especificamente, serviços prestados na movimentação da matéria-prima madeira, caracterizando-se os mesmos como etapas da industrialização ou comercialização, já tributadas pelo ICMS. Entretanto, a Municipalidade de Itatinga insiste em efetuar lançamentos tributários sobre as referidas atividades.

O pano de fundo da discussão é saber se uma atividade-meio constitui, ou não, atividade tributável pelo ISS. Na obra “Comentários à Lei Complementar n. 116/03, de advogados para advogados”, que contou como minha coordenação, Suzete Pereira Gonçalves expôs muito bem a questão ao dizer que é a atividade-fim que se sujeita à tributação pelo ISS, afinal, é ela (a atividade-fim) que consiste na prestação a qual o contribuinte se propôs a realizar mediante remuneração financeira, a contraprestação (caso haja interesse, a doutrina referida está na pg. 23).

A jurisprudência se esmerou nesse entendimento. In verbis:

“Tributário. ISS. Consórcios. As administradoras de consórcios estão sujeitas ao ISS no Município onde organizam suas atividades principais, e não naqueles em que captam clientela.
(...)
No caso em tela, tais serviços são prestados na matriz das autoras, em Lins, e não no Distrito Federal, onde mantém filial, que se limita a executar atividades antecedentes à formação dos grupos de consorciados. Destarte, o fato gerador só irá ocorrer subseqüentemente, no município da matriz, onde os consórcios são administrados. No sentido, é a jurisprudência pacífica deste Tribunal” (REsp nº 51.797-SP)

“(...) Atividades descritas nos subitens 15.05 e 15.08 da Lei Municipal 13.701/2003 que contemplam operações que, em princípio, não se caracterizam como atividades-fim, consistentes na prestação de serviços bancários – Atividades intermediárias, necessárias ao cumprimento do contrato de serviços, que não podem ser objeto da incidência do ISS – Fato de poder serem tributados serviços que não sejam a atividade preponderante do prestador que não dá ensejo ao entendimento de que as atividades-meio passem a ser tributadas de forma independente. (...).” (1º TACSP. AI 1312319-2. 4ª C. Rel. Juiz José Marcos Marrone. J. 01/09/04) (g.n.)

Nessa linha foram as decisões proferidas nos seguintes julgados: (i) TJRS – APC 70006792576 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Carlos Roberto Lofego Canibal – J. 08. 10. 2003; (ii) 1º TACSP - AC 0719241-4 - (28279) - São Paulo - 3ª C. - Rel. Juiz Antônio Rigolin - J. 05.11.1997; e (iii) 1º TACSP, RT 663/107.

Sendo assim, entendo ser correto o posicionamento do TJSP, justamente porque o ISS deve incidir apenas sobre atividade-fim, ainda mais porque, como bem frisado no acórdão, o serviço é prestado no meio de um ciclo de industrialização de uma mercadoria, que será onerada pelo ICMS, não pelo ISS.

Reflexos do entendimento também ao IPI – o eterno embate "ISS x ICMS e IPI"

Não é de hoje que os contribuintes prestadores de certas espécies de serviços se vêem às voltas com o seguinte questionamento: afinal, suas atividades se submetem ao ISS ou ao IPI (e ICMS, conseqüentemente)? Entre os principais serviços que se enquadram nesta celeuma estão os serviços de recondicionamento, beneficiamento e outros de industrialização por encomenda.

Para potencializar a dúvida dos contribuintes e esquentar todos os ânimos, a Receita Federal já manifestou, em algumas Soluções de Consulta, que a incidência do ISS sobre determinado serviço não impede a incidência do IPI. Vale verificar a Solução de Consulta 141/08, citada abaixo a título ilustrativo:

ATIVIDADE GRÁFICA. CRÉDITOS DE IPI. PRODUTOS TRIBUTADOS À ALÍQUOTA ZERO. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO. Por ser contribuinte de IPI, a consulente está autorizada a compensar tributos e contribuições administrados pela RFB com o saldo credor de IPI acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de MP/PI/ME aplicados na industrialização de seus produtos tributados à alíquota zero, desde que tal saldo de IPI se refira a créditos de IPI não decaídos e que a compensação se realize nos termos da legislação de regência. O fato de operações caracterizadas como industrialização, pela legislação do IPI, se identificarem com quaisquer dos serviços relacionados na lista anexa à LC 116, de 2003, sujeitos ao ISS, não impede a incidência do IPI sobre os produtos resultantes dessas industrializações (Solução de Consulta nº 141, de 08 de setembro de 2008 –Disit 06)

Lembro que o tema gerou grande polêmica na 5ª Reunião Mensal da APET de 2008, realizada no dia 06/08/08. Na ocasião proferi palestra sobre o tema “ICMS e IPI – principais operações por conta e ordem de terceiros” e, ao chegar no ponto sobre este possível conflito de competências, todos na reunião manifestaram suas respectivas opiniões, sendo todas elas divergentes entre si.

Mas a mim este conflito aparentemente insolúvel tem, sim, uma solução. Na decisão proferida no REsp 888.852/ES (divulgada no DJ-e de 1º/12/2008), o Superior Tribunal de Justiça começou a seguir nesta trilha, mas sua conclusão não condiz com as premissas firmadas no início do acórdão. Já a Receita Federal, ao que tudo indica, está se norteando no caminho de uma solução e abandonando o entendimento citado acima.

No supra citado REsp, o STJ entendeu que sobre os serviços de industrialização por encomenda incide o ISS, não o IPI. Seguem os fundamentos da citada decisão, valendo frisar que os tópicos abaixo são transcrições do voto da decisão (preferi fazer assim em nome da isenção e da transparência doutrinária). Vejamos:

— “O aspecto material da hipótese de incidência do ISS não se confunde com a materialidade do IPI e do ICMS. Isto porque: (i) excetuando as prestações de serviços de comunicação e de transporte transmunicipal, o ICMS incide sobre operação mercantil, que se traduz numa "obrigação de dar" (artigo 155, II, da CF⁄88), na qual o interesse do credor encarta, preponderantemente, a entrega de um bem, pouco importando a atividade desenvolvida pelo devedor para proceder à tradição; e (ii) na tributação pelo IPI, a obrigação tributária consiste num "dar um produto industrializado" pelo próprio realizador da operação jurídica. "Embora este, anteriormente, tenha produzido um bem, consistente em seu esforço pessoal, sua obrigação consiste na entrega desse bem, no oferecimento de algo corpóreo, materializado, e que não decorra de encomenda específica do adquirente (José Eduardo Soares de Melo, in "ICMS - Teoria e Prática", 8ª Ed., Ed. Dialética, São Paulo, 2005, pág. 65) (...) Deveras, o ISS, na sua configuração constitucional, incide sobre uma prestação de serviço, cujo conceito pressuposto pela Carta Magna eclipsa ad substantia obligatio in faciendo, inconfundível com a denominada obrigação de dar.”;

— “Assim, "sempre que o intérprete conhecer o fim do contrato, ou seja, descobrir aquilo que denominamos de 'prestação-fim', saberá ele que todos os demais atos relacionados a tal comportamento são apenas 'prestações-meio' da sua realização" (Marcelo Caron Baptista, in "ISS: Do Texto à Norma — Doutrina e Jurisprudência da EC 18⁄65 à LC 116⁄03", Ed. Quartier Latin, São Paulo, 2005, pág. 284)”;

— “In casu, a empresa desenvolve atividades de desdobramento e beneficiamento (corte, recorte e/ou polimento), sob encomenda, de bloco e/ou chapa de granito e mármore (de propriedade de terceiro), sendo certo que, após o referido processo de industrialização, o produto retorna ao estabelecimento encomendante, que poderá exportá-lo, comercializá-lo no mercado interno ou submetê-lo à nova etapa de industrialização” ;

— “O Ato Declaratório Interpretativo RFB 20/2007, malgrado disponha sobre as bases de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, preceitua que: "(...) considera-se prestação de serviço as operações de industrialização por encomenda quando na composição do custo total dos insumos do produto industrializado por encomenda houver a preponderância dos custos dos insumos fornecidos pelo encomendante" (artigo 1º)”;

— “A "industrialização por encomenda" constitui atividade-fim do prestador do aludido serviço, tendo em vista que, uma vez concluída, extingue o dever jurídico obrigacional que integra a relação jurídica instaurada entre o "prestador" (responsável pelo serviço encomendado) e o "tomador" (encomendante): a empresa que procede ao corte, recorte e polimento de granito ou mármore, de propriedade de terceiro, encerra sua atividade com a devolução, ao encomendante, do produto beneficiado”;

— “Ademais, nas operações de remessa de bens ou mercadorias para "industrialização por encomenda", a suspensão do recolhimento do ICMS, registrada nas notas fiscais das tomadoras do serviço, decorre do posterior retorno dos bens ou mercadorias ao estabelecimento das encomendantes, que procederão à exportação, à comercialização no mercado interno ou à nova etapa de industrialização. (...) Destarte, a "industrialização por encomenda", elencada na Lista de Serviços da Lei Complementar 116/2003, caracteriza prestação de serviço (obrigação de fazer), fato jurídico tributável pelo ISSQN, não se enquadrando nas hipóteses de incidência do ICMS (circulação de mercadoria — obrigação de dar — e prestações de serviço de comunicação e de transporte transmunicipal)”.

A premissa inicial firmada pelo STJ está correta. Isto porque, de fato “o aspecto material da hipótese de incidência do ISS não se confunde com a materialidade do IPI e do ICMS”, afinal (segundo citação de José Eduardo Soares de Melo reproduzida no acórdão), na tributação pelo IPI, a obrigação tributária consiste num "dar um produto industrializado" pelo próprio realizador da operação jurídica. "Embora este, anteriormente, tenha produzido um bem, consistente em seu esforço pessoal, sua obrigação consiste na entrega desse bem, no oferecimento de algo corpóreo, materializado, e que não decorra de encomenda específica do adquirente".

Entretanto, não é o fato de a prestação do serviço ser ou não atividade-fim que definirão se determinada atividade é hipótese de incidência do IPI e ICMS, ou ISS.

É que, conforme exposto mais acima, atividade-fim é a prestação ao qual se propôs o contribuinte a realizar mediante remuneração financeira (a contraprestação), de modo que o prestador do serviço receberá dinheiro para realizar aquela determinada atividade-fim contratada.

Tal atividade-fim, por sua vez, é realizada pela consecução de variadas atividades-meio. Por exemplo, para finalizar um serviço de engenharia, em regra o engenheiro necessita elaborar um laudo e digitá-lo. Ainda que haja previsão de incidência sobre serviços de elaboração de laudo técnico (item 17.09 da lista de serviços) e digitação (item 17.02 da lista de serviços), neste caso não haverá tributações individualizadas porque a elaboração do laudo e sua digitação, no nosso exemplo, constituem meios à obtenção da atividade-fim (serviços de engenharia).

Em razão disto, uma atividade-fim sempre poderá ser tributada pelo ISS ou pelo IPI, mas uma atividade-meio nunca poderá ser tributada por qualquer um dos impostos, justamente porque não configura sequer um negócio jurídico (é apenas um meio de determinado negócio jurídico celebrado).

Parece que o raciocínio deve seguir outro rumo. Neste sentido, entendo que o que caracteriza a incidência do IPI ou ISS sobre determinado serviço é o fim a que ele se destina, de modo que o serviço será tributável:

— pelo ISS se for prestado diretamente ao consumidor ou usuário final; e

— pelo IPI (e, conseqüentemente, pelo ICMS) se for prestado no bojo de uma cadeia de industrialização/comercialização.

A Receita Federal, em recente Solução de Consulta, começou a entender deste modo. Ainda que não seja possível concordar com os critérios fixados para a configuração do serviço prestado a usuário ou consumidor final, não se pode negar que a premissa maior fixada pelo fisco é irrepreensível. Vejamos:

RECONDICIONAMENTO DE PNEUS. INCIDÊNCIA DO IPI E DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA. POSSIBILIDADE DE CONCOMITÂNCIA. As atividades de recapagem, recauchutagem e recondicionamento de pneus usados configuram, como regra, operações de industrialização, sujeitando-se à incidência do IPI, sendo irrelevante o fato de haver, ou não, incidência do ISS, de competência dos municípios. Na hipótese de a recapagem, a recauchutagem e o recondicionamento de pneus usados serem realizados por encomenda direta do consumidor ou usuário, na residência do preparador ou em oficina, desde que, em qualquer caso, seja preponderante o trabalho profissional, a operação não é considerada industrialização. Para esse efeito, oficina é definida como o estabelecimento que empregar, no máximo, cinco operários e, caso utilize força motriz, não dispuser de potência superior a cinco quilowatts e trabalho preponderante é considerado aquele que contribuir no preparo do produto, para formação de seu valor, a título de mão-de-obra, no mínimo com sessenta por cento (Solução de Consulta 188, de 05 de novembro de 2008) (grifamos)

Aí está um bom norte a ser seguido para se solucionar o eterno (agora nem tanto) conflito de competências entre o IPI (e ICMS) e ISS.

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