domingo, 26 de julho de 2009

Fisco Mineiro entende que incide ICMS sobre manipulação de medicamentos. Mais um embate do eterno conflito “ICMS x ISS”

No Consolidado de Consultas nº 10 sobre incidência do ICMS, o Fisco Mineiro entendeu que não incide o ISS sobre as atividades de manipulação de medicamentos, mas sim o ICMS. O que está no pano de fundo desse debate é o conflito de competências “ICMS x ISS”.

Entenda a questão tratada pelo Fisco Mineiro:

Os argumentos do Fisco Mineiro que o conduziram à conclusão de que incide o ICMS, não o ISS, sobre a manipulação de medicamentos foram os seguintes:

- O item 4.07 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03 elegeu os “serviços farmacêuticos” como passíveis da incidência do ISS, mas não lhe deu os contornos necessários à compreensão de quais serviços farmacêuticos estariam nele contemplados.

- Para buscar o alcance desse conceito, foi ao § 1º do art. 1º da Resolução nº 499/08 do Conselho Federal de Farmácia, que relaciona como serviços farmacêuticos: a elaboração de perfil farmacoterapêutico, a avaliação e o acompanhamento da terapêutica farmacológica de usuários de medicamentos, a determinação quantitativa do teor sanguíneo de glicose, colesterol total e triglicérides, mediante coleta de amostras de sangue por punção capilar, utilizando-se de medidor portátil, a verificação de pressão arterial e de temperatura corporal, a aplicação de medicamentos injetáveis, a execução de procedimentos de inalação e nebulização, a realização de curativos de pequeno porte, a colocação de brincos, a participação em campanhas de saúde e a prestação de assistência farmacêutica domiciliar.

- Entendeu que, a despeito de a Resolução nº 499/08, no § 2º de seu art. 1º, ter disposto que outros serviços poderão ser executados pelo farmacêutico, desde que se situem no domínio de sua capacitação técnica, científica ou profissional, da leitura do citado dispositivo não se pode inferir estar incluída a manipulação de medicamentos nos serviços de que trata o item 4.07 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03.

- Disse também que não autoriza tal conclusão o fato de ser de competência exclusiva do farmacêutico todo o processo de manipulação magistral e oficinal de medicamentos e de todos os produtos farmacêuticos, conforme previsão contida no art. 1º, Anexo I da Resolução nº 467/07, também do Conselho Federal de Farmácia.

- Por fim, expôs que a expressão “serviços farmacêuticos” constante do item 4.07 da referida Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03 não abrange a comercialização de produtos manipulados em farmácias.

Com base nessas premissas, concluiu que a manipulação de produtos farmacêuticos com vistas à obtenção de medicamentos destinados à comercialização, ainda que realizada sob encomenda direta do consumidor final, encontra-se no campo de incidência do ICMS, levando-se, ainda, em conta que, para efeitos de tributação, tendo em vista o disposto no art. 222 do RICMS/02 (de MG), considera-se industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto ou o aperfeiçoe para o consumo.

A solução do conflito “ICMS x ISS”

Em primeiro lugar, devo dizer que não concordo com as premissas iniciais do Fisco Mineiro, afinal, em meu entendimento, o item “elaboração de perfil farmacoterapêutico”, contido no § 1º do art. 1º da Resolução nº 499/08 do Conselho Federal de Farmácia, abrange, sim, os medicamentos manipulados a pedido do cliente. Logo, a manipulação de remédios se afigura como um serviço farmacêutico.

Mas essa atividade será tributável pelo ICMS ou pelo ISS?? Trata-se da comercialização de uma mercadoria, ou da entrega de um resultado de um serviço contratado??

Conforme venho sustentando em minhas aulas na APET, o conflito “ICMS x ISS” pode ser resolvido da seguinte forma:

- será tributável pelo ISS a atividade que se configurar como um serviço prestado diretamente ao consumidor final.

- será tributável pelo ICMS (e IPI) se o serviço for prestado no bojo de uma cadeia de comercialização/produção de uma mercadoria.

Logo se nota que, o que caracterizará uma mercadoria (para fins de ICMS) e um resultado físico de um serviço (para fins de ISS) será sua especificidade, sua individualização em relação a outros consumidores requerida por um consumidor final.

Com base nessas premissas, entendo que o Fisco Mineiro caminhou mal em suas conclusões, afinal, sendo o medicamento manipulado o resultado de um serviço contratado por consumidor final, que não serve a ninguém mais senão àquele que o contratou, não é possível tratá-lo como mercadoria, mas sim como o resultado físico de um serviço.

Portanto, em minha opinião incide o ISS, não o ICMS. Para reforçar minha opinião, cabe mencionar que o próprio RIPI exclui a manipulação de medicamentos do conceito de industrialização tributável pelo IPI, justamente porque não se trata de uma atividade padronizada, desempenhada no ciclo de produção de uma mercadoria.

Para saber mais sobre o tema, sugiro a leitura dos comentários sobre o que é serviço, feitos por Suzete Pereira Gonçalves na obra “Comentários à Lei Complementar nº 116/03, de advogados para advogados”, que contou com minha co-coordenação e foi recentemente lançado pela MP Editora. Sugiro também a leitura de meus comentários na postagem de 21/07/09 – TJSP entede que atividade-meio não é tributada pelo ISS. Reflexo do entendimento no eterno embate “ISS x ICMS e IPI”.

Segue abaixo a íntegra do Consolidado de Consulta sobre o tema, divulgado pela SEFAZ/MG.

10 Incidência do ICMS – Manipulação de Medicamentos

Exposição:

Entidade sindical representante do setor de comércio de produtos farmacêuticos relata que as farmácias de manipulação, em relação aos medicamentos manipulados por encomenda do consumidor mediante prescrição médica, têm se submetido à tributação pelo ICMS.

Ressalta que, no entanto, a Lei Complementar nº 116/03, no item 4.07 da lista de serviços a ela anexa, prevê a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) sobre os “serviços farmacêuticos”.

Afirma que a Resolução nº 499/08 do Conselho Federal de Farmácia relaciona, no § 1º de seu art. 1º, os serviços denominados “serviços farmacêuticos” e dispõe, no § 2º do mesmo artigo, que outros serviços não especificados poderão ser considerados farmacêuticos, desde que no domínio da capacitação técnica, científica ou profissional do farmacêutico.

Ressalta ainda que a Resolução nº 467/07, também do Conselho Federal de Farmácia, nos incisos IV e V, alínea “a” do art. 1º de seu Anexo, dispõe que é de competência do farmacêutico a manipulação, a dispensação e a comercialização de medicamentos isentos de prescrição, bem como de cosméticos e de outros produtos magistrais, independente da apresentação de prescrição, assim como de medicamentos de uso contínuo e de outros produtos farmacêuticos magistrais.

Conclui que ambas as resoluções citadas definem o que sejam os chamados “serviços farmacêuticos” constantes do item 4.07 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03.

Aduz que o Regulamento do IPI, no inciso VI de seu art. 5º, dispõe que não se considera industrialização a manipulação em farmácia, para venda direta a consumidor, de medicamentos oficinais e magistrais, mediante receita médica.

Informa ter a Segunda Turma do STJ, em decisão idêntica à já tomada pela Primeira Turma do mesmo Tribunal, reconhecido que os serviços prestados por farmácias de manipulação, que preparam e fornecem medicamentos sob encomenda, submetem-se exclusivamente à tributação pelo ISSQN, nos termos do item 4.07 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03.

Informa, ainda, terem algumas Prefeituras notificado as farmácias de manipulação a incluírem a referida atividade em seus cadastros perante o Município, a emitirem a respectiva nota fiscal de serviços, bem como a informarem na Declaração Eletrônica de Serviços todos os serviços daquela natureza prestados, recolhendo, finalmente, o ISSQN devido.

Face à situação exposta, indaga:

1 – Está correto o entendimento das Prefeituras?

2 – É correto que a Consulente oriente os seus filiados e o comércio mineiro a recolherem o ISSQN, e não mais o ICMS, sobre as operações de manipulação de medicamentos sob encomenda do consumidor?

Solução:

Preliminarmente, cabe ressaltar que, ao contrário do que ocorre nas ações direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, as decisões proferidas pelos tribunais superiores não possuem efeito vinculante para os órgãos do Poder Judiciário e para a Administração Pública federal, estadual e municipal.

As decisões mencionadas na consulta, que consideraram incidir o ISSQN na manipulação de medicamentos, produzem efeitos apenas “inter partes”, não se aplicando a outros casos que não o tratado nos autos. Além disso, não são decisões definitivas, mas que poderão ser revistas pelo Supremo Tribunal Federal.

1 e 2 – Não. A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88) estabeleceu, no seu art. 155, a competência tributária dos Estados e Distrito Federal para instituírem imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

Em seu art. 156, a mesma Carta Republicana dispõe sobre a competência dos Municípios para instituírem imposto sobre serviços de qualquer natureza definidos em lei complementar, desde que não compreendidos na competência tributária dos Estados. Nesse sentido, cabe ao legislador nacional dar as balizas para que os Municípios instituam o ISSQN, isto é, cabe à lei complementar estabelecer quais serviços podem sofrer a incidência do imposto municipal.

A Lei Complementar nº 116/03, no item 4.07 da Lista de Serviços anexa, elegeu os “serviços farmacêuticos” como passíveis da incidência do ISSQN, sem, no entanto, dar-lhe o contorno necessário à compreensão de quais serviços farmacêuticos estariam nele contemplados.

Buscando-se o alcance da expressão adotada, tem-se que o § 1º do art. 1º da Resolução nº 499/08 do Conselho Federal de Farmácia relaciona como serviços farmacêuticos a elaboração de perfil farmacoterapêutico, a avaliação e o acompanhamento da terapêutica farmacológica de usuários de medicamentos, a determinação quantitativa do teor sanguíneo de glicose, colesterol total e triglicérides, mediante coleta de amostras de sangue por punção capilar, utilizando-se de medidor portátil, a verificação de pressão arterial e de temperatura corporal, a aplicação de medicamentos injetáveis, a execução de procedimentos de inalação e nebulização, a realização de curativos de pequeno porte, a colocação de brincos, a participação em campanhas de saúde e a prestação de assistência farmacêutica domiciliar.

Em que pese a citada Resolução nº 499/08, no § 2º de seu art. 1º, ter disposto que outros serviços poderão ser executados pelo farmacêutico, desde que se situem no domínio de sua capacitação técnica, científica ou profissional, da leitura do citado dispositivo não se pode inferir estar incluída a manipulação de medicamentos nos serviços de que trata o item 4.07 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03.

Também não autoriza tal conclusão o fato de ser de competência exclusiva do farmacêutico todo o processo de manipulação magistral e oficinal de medicamentos e de todos os produtos farmacêuticos, conforme previsão contida no art. 1º, Anexo I da Resolução nº 467/07, também do Conselho Federal de Farmácia.

Destarte, a expressão “serviços farmacêuticos” constante do item 4.07 da referida Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03 não abrange a comercialização de produtos manipulados em farmácias.

Portanto, a manipulação de produtos farmacêuticos com vistas à obtenção de medicamentos destinados à comercialização, ainda que realizada sob encomenda direta do consumidor final, encontra-se no campo de incidência do ICMS, levando-se, ainda, em conta que, para efeitos de tributação, tendo em vista o disposto no art. 222 do RICMS/02, considera-se industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto ou o aperfeiçoe para o consumo.

Assim, não é devida a cobrança do ISSQN em tais operações, mas, sim, do ICMS. A interpretação segundo a qual a manipulação de medicamentos e outros produtos estaria compreendida na expressão “serviços farmacêuticos” importaria em usurpação de competência constitucionalmente atribuída ao Estado e ao Distrito Federal.

Ademais, cabe esclarecer que, relativamente às mercadorias e aos insumos utilizados na consecução das atividades comerciais dos contribuintes filiados à entidade sindical, com base no princípio constitucional da não-cumulatividade, fica-lhes assegurado o direito ao aproveitamento dos créditos corretamente destacados nos respectivos documentos fiscais de aquisição, observadas as normas legais vigentes, especialmente o disposto nos arts. 66 a 74 do RICMS/02.

Legislação:

- Constituição da República/88, arts. 155 e 156;

- Lei Complementar nº 116/03, Lista de Serviços anexa, item 4.04;

- Resolução nº 499/08 do Conselho Federal de Farmácia, art. 1º, §§ 1º e 2º;

- Resolução nº 467/07 do Conselho Federal de Farmácia, Anexo I, art. 1º;

- RICMS/02: arts. 66 a 74 e 222.

Consulta(s) de Contribuinte(s): 170/2009 e 171/2009

Data de Atualização: 23/07/2009

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