quinta-feira, 2 de julho de 2009

TJRJ julga inconstitucional a alíquota de 25% sobre energia elétrica ao argumento de ofensa à seletividade

Ao julgar a Apelação n. 2008.004.01451 em 24/06/2009, o TJRJ entendeu ser inconstitucional a alíquota de 25% incidente sobre a comercialização de energia elétrica, porquanto ofende o princípio da seletividade previsto no artigo 155, par. 2º, inciso III, da Constituição Federal. Aplicou, em seguida, a alíquota genérica do imposto.
A Corte Fluminense caminhou com a razão, afinal, o citado dispositivo constitucional não se afigura como uma recomendação ao legislador, mas sim uma obrigação. E se assim o é, então não é lícito que a comercialização de bens essenciais à sociedade (tal qual a energia elétrica) seja gravada pela maior alíquota prevista na legislação estadual.
Cabe salientar, por fim, que a decisão não violou a separação dos Poderes porque, neste caso, o Judiciário não legislou. De fato, apenas o faria se, e somente se, determinasse a aplicação de alíquota menor prevista para determinadas (e específicas) mercadorias. Entretanto, em razão da aplicação da alíquota genérica, pessoalmente não vejo ofensa à mencionada separação de Poderes.
Segue abaixo a emenda da decisão:
MANDADO DE SEGURANÇA - ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 27/2005 E 21/2008 do TJRJ. Secretário de Estado de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro possui legitimidade para figurar no pólo passivo do presente mandado de segurança já que detém atribuição para adoção das providências tendentes a executar ou corrigir o ato combatido. Não há a alegada ilegitimidade ativa pois como contribuinte de fato é o impetrante quem suporta o ônus da arrecadação, podendo, portanto, contestar em juízo a alíquota utilizada. Alíquota de 25% que viola o princípio da seletividade e essencialidade previstos no artigo 155, §2º, inciso III da Constituição Federal, que aplica-se à tributação de produto ou serviço essencial. Argüição de inconstitucionalidade nº 27/2005 que reconheceu a inconstitucionalidade do art. 14, VI, item 2, e VIII, item 7, do Decreto nº. 27.427/2000 do Estado do Rio de Janeiro e argüição de inconstitucionalidade nº 21/2008 que reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 14, VI, B da Lei nº 2.657/96 do Estado do Rio de Janeiro. Deve ser observado o efeito vinculante das decisões proferidas nas argüições à inteligência dos arts. 103 do RITJRJ e 481, parágrafo único do CPC já que ambas foram tomadas por unanimidade. Possibilidade de manejo do mandado de segurança contra lei em tese se esta possuir efeitos concretos. Lacunas na lei podem ser supridas por decisão judicial. Precedentes. Concessão da segurança para adotar a alíquota genérica de 18% prevista no art. 14, I, Decreto nº. 27.427/2000 mais 5% do Fundo de Combate à Pobreza totalizando 23%. Compensação dos valores pagos a maior. Impossibilidade. Writ que não se configura como via adequada para a cobrança de valores pretéritos. Súmula nº 271 do STF. SEGURANÇA PARCIALMENTE CONCEDIDA.

4 comentários:

  1. Dr. Adolpho,

    Bom dia.

    Há um tempo atrás acompanhei alguns julgados do TJ/RJ que declararam inconstitucional a alíquota de 25% de ICMS sobre energia elétrica sob o argumento de ofensa à seletividade.
    No entanto, no STJ as decisões estão sendo contrárias aos contribuintes baseados nos seguintes argumentos: violação do art. 166 do CTN e, portanto, carecendo legitimidade ativa para o impetrante do MS (RMS 21.742 - ES); mandado de seguraça não se compatibiliza com a discussão de lei em tese (21.202 - RJ); mandado de segurança não é a via adequada para
    se pleitear a produção de efeitos patrimoniais pretéritos.
    Os dois últimos argumentos atacam diretamente o MS, o que me faz pensar que se a ação originária fosse uma repetição de indébito, p. ex., tais argmentos não exitiriam.
    Agora, quanto a alegação de ilegitimidade ativa do contribuinte em virtude do art. 166 do CTN, ainda que fosse mudada a forma de provocar o Judiciário, mesmo assim esse argumento poderia ser utilizado.
    Acho um absurdo ainda hoje o art. 166 do CTN merecer atenção. Tal dispositivo não deveria nem existir ou já ter sido declarado inconstitucional. Mas essa é uma outra discussão.
    Bom, como faz algum tempo que não acompanho a evolução dos julgamentos de casos semelhantes ao aqui postado, não sei como anda a jurisprudência do STJ atualmente.
    Abraço

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  2. Caro Fábio,

    Há duas linhas jurisprudenciais bem definidas quanto à legitimidade ativa para questionar os denominados "tributos indiretos":

    (i) a primeira se posiciona no sentido de que contribuinte não é quem arca financeiramente com o tributo, mas sim quem é eleito pela legislação como tal (no caso do ICMS, o contribuinte é quem circular mercadorias - aí incluída a energia elétrica - de modo habitual). Para essa linha, o chamado "contribuinte de fato" (que arca financeiramente com o tributo) não está envolvido na relação jurídica havida entre o Estado e o contribuinte (de direito) que efetivamente comercializou mercadorias. A figura do "contribuinte de fato" decorre de uma interpretação financeira/econômica tão criticada por Alfredo Augusto Becker (vide "Carnaval Tributário" e "Teoria Geral do Direito").

    (ii) para outro ramo da jurisprudência, o "contribuinte de fato" pode questionar o tributo arcado por ele na aquisição do bem ou serviço, tanto assim que o artigo 166 do CTN outorga a ele (contribuite de fato) a legitimidade para reclamar eventual indébito, salvo se o contribuinte de direito obter expressa autorização para fazê-lo do contribuinte de fato.

    Se você fizer uma busca pelos Tribunais de Justiça do país, verificará a existência dessas duas linhas, inclusive dentro de um mesmo Tribunal de Justiça.

    Nas minhas aulas na APET ressalto sempre que devemos nos debruçar sobre as premissas do raciocínio e aceitar as conclusões delas decorrentes, ainda que não satisfaçam nossos anseios particulares. Afinal, se o Direito é uma ciência, devemos assumir que (como juristas, operadores do direito) somos cientistas e, como tais, devemos aceitar as conclusões decorrentes do estudo científico.

    Na minha opinião, contribuinte é quem (a) satisfazer os requisitos do artigo 121 do CTN e (b) for eleito como tal pela lei. No caso do ICMS incidente sobre a comercialização de energia elétrica, o contribuinte (segundo a lei) é quem a comercializa, logo, entendo que somente ele pode questionar a incidência tributária da operação.

    Acredito que há uma lógica no artigo 166 do CTN. No caso do ICMS, o tributo já foi calculado "por dentro" (logo, está embutido no preço de venda) e, por isso, foi contabilizado como receita de vendas pelo contribuinte de direito (que vendeu a energia elétrica). Passado o momento da incidência tributária (o fato jurídico tributário, propriamente), não cabe mais ao contribuinte de direito questioná-la, justamente porque, a despeito das irregularidades jurídicas que venham a ser detectadas, fato é que este ICMS foi contabilizado como receita (afinal, estav embutido no preço de venda). Mas resta àquele que suportou o encargo financeiro do tributo dizer que tal encargo foi indevido, logo, ele (contribuinte de fato) pagou algo que não deveria pagar. Por isso é ele quem deve ser legitimado a pleitear o indébito.

    Esta é a minha opinião, que decorrem das premissas que firmo. Não quer dizer que seja a certa e/ou que as outras estão erradas, tanto é verdade que há decisões que acolhem os argumentos daquela outra linha que mencionei alhures. Se esta for a linha que melhor satisfaz suas premissas, aconselho segui-la e estudar argumentos que possam eventualmente reforçá-las.

    Um grande abraço,

    Adolpho

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  3. Dr. Adolpho,

    Presenciei uma aula do Sr. no curso de Planejamento Tributário da APET sobre tributos indiretos. Certamente no curso específico de tributos indiretos o tempo disponível e a ênfase nesses tributos permite ao Sr. aprofundar a interpretação do 166 do CTN. Adoraria ouvi-lo falando sobre esse tema, pois, nas breves palavras acima, já esclareceu muitas coisas.

    Fiz um estudo sobre esse tema pois foi objeto de minha monografia de conclusão de pós graduação em D. Tributário.

    Como não poderia deixar de ser, as obras de Alfredo Algusto Becker foram lidas e relidas, já que ele muito escreveu sobre o tema.

    A minha convicção firmou-se no sentido de que contribuinte é quem se enquadra no art. 121 do CTN, contribuinte "de direito", portanto.

    Apoiado em Becker entendo que só pode ser propriamente chamado de contribuinte "de fato" aquele que suporta definitivamente o ônus originado pelo tributo. A identificação dessa pessoa, segundo a própria Ciência das Finanças, é praticamente impossível, no mínimo inviável.

    Ao Direito, na minha opinião, não cabe a indisposta missão de identificar quem seria esse "contribuinte de fato", último destinatário da repercussão econômcia do tributo. Preferiu, então, a Ciência Jurídica eleger como contribuinte "de fato" aquele que, p. ex., adquire a mercadoria em cujo preço de aquisição está embutido o ICMS.

    Esse contribuinte ("de fato") eleito pelo art. 166 do CTN como suposto destinatário do ônus econômico do tributo quase sempre não o é. Imaginemos um advogado que adquire computadores novos para o escritório. Certamente esse advogado repassará esse ônus no preço de seu serviço, de forma que não foi propriamente sobre ele que recaiu definitivamente a repercussão econômica do ICMS.

    Há, dentre outros, um argumento forte. O adquirente da mercadoria pode inadimplir a obrigação e, mesmo nesse caso, o tributo terá sido recolhido.

    Tem ainda a questão processual. Como reconhecer que alguém que não participou da relação jurídica tributária possa ter legitimidade para postular a repetição de indébito?

    Minha conclusão, em termos gerais, é que somente ao contribuinte ("de direito"), sujeito passivo da obrigação tributária, cabe a legitimidade para postular a repetição do indébito. Não importa se houve repercussão econômica do tributo ou não, contribuinte é sempre ele.

    Agora, quanto ao ICMS incidente sobre a energia elétrica, tem a posição de Roque Carrazza de que contribuinte é o consumidor da energia e não a distribuídora. Para ele, esta é apenas um meio de disponibilizar a energia que foi produzida num local (geradores em hidrelétricas) e vai ser utilizada, transformada em outra forma de energia na residência ou estabelecimento do consumidor. Entede Carrazza que o consumidor de energia elétrica é, ao mesmo tempo, contribuinte "de direito" e "de fato" do ICMS incidente sobre a energia elétrica.

    Sendo assim, quanto à tese de minorar o ICMS com base no princípio da seletividade acredito que quem paga a fatura de energia é o contribuinte do ICMS e, portanto, legitimado para a propositura da ação.

    Um abraço

    Fábio

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  4. Caro Fábio,

    É isso mesmo, há bons argumentos que sustentam a possibilidade de o adquirente questionar o ICMS incidente sobre a comercialização de energia elétrica. Pessoalmente não concordo com eles, mas são bons, tanto assim que encontram respaldo na jurisprudência.

    Enfim, disso tudo tiro uma feliz conclusão: o Fórum de Debates Tributários está cumprido o seu propósito, que é justamente o de ser um campo para o debate. Estou muito contente, principalmente porque este primeiro debate foi iniciado por um aluno.

    Tive uma semana corrida em razão da mudança de escritório (estou indo para o "Martins, Chamon e Franco"). Não tive tempo de ver aquele material que conversamos, vou tentar nos próximos dias.

    Um grande abraço,

    Adolpho Bergamini

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